A chuva que estava ameaçando cair, logo cai e nos pega no trajeto da casa para o carro. Saio correndo na frente e peço para eles correrem também e talvez em razão da coluna a pouco contundida, escorrego ridiculamente batendo a bunda num início de poça. Caio do alto de seus sete anos, corre em minha direção para me ajudar, mas Cássia, ah Cássia! Essa se contorce de tanto rir e eu que a princípio havia ficado possesso, logo relaxo envolvido naquele sorriso peralta, sorriso que há tanto tempo não presenciava. Fomos então ao supermercado. Cássia fazia questão de que eu fizesse as compras de casa e por isso não entrou na justiça solicitando a pensão. Foi de comum acordo. Alimentação, materiais escolar, convênio médico e odontológico eram por minha conta. Ela se recusava em receber em dinheiro. Depois de algum tempo, eu saquei que era um pretexto para me ter por perto.
Chegando ao supermercado, senti que dessa vez eles não iriam dispor de minha companhia. A queda havia agravado mais ainda minha coluna e por isso decidi ficar esperando no carro. Cássia compreendeu e foi às compras com Caio. Fiquei ali, sozinho entre aqueles carros estacionados. De repente me vi fazendo um balanço do que havia se tornado minha vida. A solidão e a liberdade que eu tanto queria, estava por me sufocar, até mais do que o controle e o ciúme de Cássia. Aliás, com a distância, notei inúmeras virtudes nela. E hoje, depois de seu sorriso, depois de sentir sua fragrância adentrando minhas narinas, depois de ver como ela zela da casa e do Caio e de como ela não se entregou, mesmo sofrendo, comecei a considerar que ela merecia uma chance, coisa que até então não havia ocorrido. Essa hipótese foi me tomando e eu já não me via mais sem eles. Repentinamente, ambos emergem do nada e ao avistá-los atravessando uma parte do estacionamento me recomponho, abaixando para calçar os sapatos e um estrondo violento ecoa sobre o estacionamento. Levanto a cabeça e vejo um veículo com a frente amassada e o para-brisa estilhaçado. Mais a frente dois corpos ilhados de sangue. Solto um grito visceral e acordo com minha agora futura mulher e meu eterno filho batendo no vidro do carro.
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