Olhou-se
no espelho do banheiro e percebeu que suas olheiras estavam bem destacadas. Suas
pupilas baixas davam à sua face um ar de alguém que desistira de viver. Pensou
em voltar para a cama, mas logo mudou da ideia. Resignadamente abriu o guarda
roupas e começou a se vestir. Dirigiu-se até a cozinha e serviu-se do café frio
do dia anterior enquanto observava a imundice que estava seu fogão. Por optar
em usar pratos e talheres descartáveis, não havia louças sujas. Quando abriu a
porta que dava para o quintal, surpreendeu-se com que viu: Suas plantas estavam
secas e havia muitas folhas caídas pelo chão. Seu cachorro estava esquelético e
de tão debilitado, não foi capaz de saltar de alegria ao rever seu dono. Além disso, seu quintal estava repleto de
fezes e seu odor provocou tamanha ânsia, que ele vomitou apenas a bile, devido a seu estômago
vazio. Sentiu-se tomado por um enorme
desgosto, mas ao mesmo tempo, percebeu que ele não era assim tão inútil como
muitos diziam. Suas plantas e seu cão dependiam dele para viver. Pensando
assim, saiu pelas ruas pisando firme, com dignidade, em busca de uma boa ração
para o cão.
No caminho, não pode deixar de notar a
surpresa estampada no rosto dos vizinhos, que receosos o cumprimentava
friamente. Continuou seu trajeto e próximo à casa de ração, cruzou com uma
senhora que segurava pela mão uma menina que devia ter uns sete anos. Essa
menina o encarou com um profundo olhar. Ele sentiu-se invadido, pois parecia
que ela enxergava todo o seu vazio interior. Ela abriu um lindo sorriso e ele
não teve como não compará-la a um anjo. Repentinamente sentiu-se invadido por
uma enorme alegria. Ao distanciar-se da menina, sentiu vontade de pular pela
rua e assim o fez. Saltou uma, duas e na terceira vez, torceu seu pé violentamente. Desequilibrado caiu chocando estupidamente
sua cabeça contra o meio fio.
O sangue que escorria tinha um vermelho vivo que contrastava com aquela face já pálida. E o espasmo acabou por deixá-lo com um sorriso que lembrava o daquela menina.
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