domingo, 26 de fevereiro de 2012

Tiro e Queda

— Desculpe pelo desabafo Clemente. É que a vida é tão difícil pra mim, já tentei de tudo e nada dá jeito nessa agonia.
Clemente por sua vez, só ouvia aquela lamúria que já se estendia por semanas.
—Você também não me ajuda em nada, só fica aí com essa cara de bunda. Fale alguma coisa homem!
Clemente olhou no fundo dos olhos daquela mulher amargurada, esticou o braço até a gaveta da escrivaninha a abriu bruscamente tirando de lá um revólver calibre 38.
—Pegue. Isso aqui é tiro e queda.

Apartamento Macabro

Jaime deu check in num hotel no centro de São Paulo, próximo ao hospital onde ele travaria a batalha contra o câncer que estava a lhe roer por dentro. De forma grosseira, pegou a chave da mão da recepcionista e se dirigiu ao elevador. Ao chegar no 15º andar, caminhou até seu quarto e se jogou na cama, totalmente desolado.
Levantou-se subitamente e aproximou-se do parapeito da janela. Ficou alguns instantes observando a vista de São Paulo enquanto tragava o cigarro que fazia parte de uma das restrições de seu médico. Foi até o bar do apartamento e se serviu de uma dose generosa de uísque. De volta ao parapeito, tragou com toda sua força o cigarro, bebeu de uma só vez o uísque e se lançou através da janela.
O misterioso hospede suicida foi encontrado em minutos por um faxineiro que estava varrendo o jardim. O estado do corpo lembrava um patê com osso. Imediatamente, o faxineiro comunicou o ocorrido ao gerente do hotel e esse sabiamente intermediou a remoção do corpo com absoluto sigilo para não marcar negativamente seu hotel e também para atender ao pedido da família.  
Jaime era um influente político do estado de Goiás e sua família era bem abastada. Eles não sabiam o motivo pelo qual Jaime tinha vindo a São Paulo. Mas ao consultar sua agenda, logo ficaram estarrecidos ao saberem que ele estava doente e em fase terminal.
O apartamento ficou interditado para perícia por uma semana e logo que foi reaberto um hospede escorregou na banheira e fraturou a bacia. O seguinte, quase foi atingido por uma bala perdida, fruto de uma briga de casal do prédio vizinho. O terceiro teve uma overdose fulminante.
O gerente que era uma pessoa espiritualista desconfiou das coincidências e subiu até o apartamento. Ao adentrá-lo, teve um mal súbito que lhe arrepiou da cabeça aos pés, lembrando um gato acuado por um cão. Desceu rapidamente e ligou para seu benzedor.
Duas horas depois, o benzedor e o gerente do hotel dirigiram-se ao apartamento. Mas o gerente evitando passar mal, optou por esperar do lado de fora. Após vinte minutos de absoluto silêncio, começou a achar estranho. Criou coragem e entrou. De cara, avistou a janela aberta e as cortinas agitando-se violentamente devido ao vento. Respirou fundo e foi até o parapeito. De lá, viu seu benzedor esparramado pelo chão.