quarta-feira, 3 de julho de 2013

Eu e o tempo


O passado desceu na estação anterior e por lá ficou;

O futuro se aproxima aos poucos, com uma fria cadência;

E o presente obteve enfim minha tutela;

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Cabra Macho


Soou o sinal para o recreio e eu fui o primeiro a me por de pé. Deixei a sala de aula as pressas e me dirigi ao pátio tentando ser um dos primeiros na fila da cantina. No caminho, encontrei nos corredores o Lauro, grande parceiro de “cabulagem”. Ele se juntou a mim e começamos a colocar as fofocas em dia quando de repente uma bola de papel o atingiu na nuca. Uma voz gutural emerge do nada ordenando:

- Não olhe para trás, pois o bicho vai pegar!

Eu sem entender o que havia ocorrido, ingenuamente não atendi ao pedido e ao me virar para trás eis que surge ele, o cara mais temido daquela escola: Cosme. Naquele instante percebi do que se tratava e pude também em milésimo de segundos notar o terror nos olhos de quem observava a cena.

- Deu merda! - Disse um Lauro à beira do desespero.

 Continuei andando, mas sem a pressa de antes, pois minhas pernas já não me obedeciam. Enquanto isso, eu assistia Lauro se distanciando numa marcha nervosa. Ao chegar à fila, aquela voz voltou a entonar o medo, agora, quase ao meu ouvido.

- Eu não falei para não olhar para trás? Você está a fim de ser zuado né?

Repentinamente ele se colocou a minha frente e me encarou com fogo nos olhos. Nisso as pessoas foram deixando a fila e fazendo um círculo em nossa volta. Nesse momento percebi que o medo havia desaparecido subitamente e uma serenidade me tomou por completo. Sem pensar e com uma força descomunal o empurrei violentamente em direção da cantina. As costas de Cosme se chocaram contra o balcão ocasionado além da dor, uma falta de ar que era visível. Ele foi ficando pálido e sua retumbante voz quase não saia. Restou aos seus comparsas que estavam de plantão, levá-lo ao banheiro para tentar reanimá-lo. Lauro que presenciava a cena de longe veio até mim e disse:

- Cara, o que foi aquilo? Achei que o Cosme ia te quebrar todo! Não esperava que ele fosse amarelar daquele jeito.

Eu permaneci ali imóvel por alguns minutos sendo fitado pelos meus novos admiradores, enquanto tentava entender o ocorrido.

No dia seguinte, descia eu a viela que era o caminho da escola quando surgiu do nada, Cosme empunhando um revolver. Dessa vez o medo não me abandonou não. Ajoelhei, implorei, pedi perdão até que por fim sensibilizei o irredutível Cosme. Compreensivamente ele me aplicou três coronhadas e um tiro na mão. A partir desse dia, passei a ser devoto de São Cosme e Damião.       

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Alto-mar


Estou a navegar em águas calmas;

Sem expectativas e arrebates;

Deslizando friamente sem solavancos;

Meu barco segue à deriva;

Por esse mar de aconchego e serenidade.

 

Misteriosa


Aura enigmática que me fascina!

Tento aos poucos achar a ponta do novelo;

Montar o quebra-cabeça;

Mas as peças não se encaixam;

Minha matemática há tempos deixou de ser exata;

E eu não saio do zero;

Não avanço;


segunda-feira, 24 de junho de 2013

Vingança Natural


Após o término do filme, saiu correndo pelo quintal rumo ao jardim de sua avó. Parou repentinamente em frente a um pé de dália e simulou o golpe dado por Van Damme no filme que acabara de assistir. O chute giratório deitou ao chão a indefesa planta. Olhou ressabiado ao seu redor e percebeu que não havia testemunhas. Nesse instante, ouviu ao longe a voz da avó que o chamava para tomar o café da tarde. Com as mãos no bolso, adentrou a cozinha com ar angelical. Sentou-se a mesa e mexeu com a colher o achocolatado. Nisso percebeu que estava sozinho na cozinha. Bebericou com cuidado o quente achocolatado enquanto sua avó entrava furiosa na cozinha.

- Foi você quem quebrou meu pé de Dália, moleque?

- Eu vó? Imagina que eu ia fazer isso!

- Só estamos eu e você aqui, a não ser que tenha sido sua mãe quando saiu. Coisa bem pouco provável.

- Vó, deve ser que enroscou uma pipa na planta e os meninos puxaram com força, vai saber.

Nesse instante o moleque sentiu uma fisgada imensa em sua virilha e começou a se despir desesperadamente. A avó ficou atônita, sem entender aquela cena. De repente cai ao chão a responsável por aquele momento vexatório: uma pequena abelha que havia entrado através da boca da calça do menino quando esse golpeou a flor onde a abelha repousava.


Pronto, a avó já não tinha mais dúvidas que o menino era culpado, haja vista que as dálias eram o lugar preferido das abelhas. O que lhe intrigou por anos foi tentar entender como a abelha havia se instalado naquele íntimo lugar. O menino era outro intrigado.


sábado, 15 de junho de 2013

Sempre em frente



Não foi desta vez.


Com passos claudicantes, dirigiu-se ao guichê. De frente com a atendente, titubeou por um instante, enquanto sua mão trêmula procurava dentro do bolso da surrada camisa, o pedaço de papel. Com a voz embargada perguntou ao mesmo tempo em que entregava o papel à moça:

- Esse senhor trabalha aqui?

- O Doutor Wesley é o dono da clínica. O Senhor tem hora marcada?

Repentinamente o velhinho agarrou-se ao balcão evitando que seu corpo fosse de encontro ao chão. Apavorada, a atendente o acudiu, o levando para um sofá ao lado do balcão e com uma prancheta se pôs a abaná-lo.

- O senhor está só?

Sinalizou que sim.

Veio se consultar?

Após longa hesitação, sinalizou que não.

- Ah! O Senhor havia perguntado sobre o Doutor Wesley. Só um instante que vou chamá-lo.

 A atendente saiu em disparada pelos corredores do recinto a procura do doutor. Quando voltou na companhia dele, percebeu que o velhinho havia deixado a sala de espera. Saiu até a calçada olhou para ambos os lados e nem sinal do velhinho.

Retornando à recepção, surpreendeu-se com o Doutor sentado no chão em posição fetal, chorando copiosamente, enquanto murmurava:

- Pai, será que o senhor me perdoou? Por que não me esperou? Por quê? Por quê?

 

quinta-feira, 30 de maio de 2013

O Show


O recinto estava mais cheio do que ele presumia. A banda ganhara enorme notoriedade. Não só os quatro integrantes, mas toda a equipe técnica estava mergulhada na mais pura adrenalina. Respirou fundo, regulou a altura do banquinho, testou o bumbo e ao posicionar os pratos, notou para seu desalento que ela fazia parte da plateia. O ódio somou-se a adrenalina o deixando aturdido.

- Cássio, você está bem? – perguntou Rodrigo já com seu baixo afinado.

- Acho que sim – respondeu Cássio sem confiança.

 - Se embora então arrebentar com esse show!

- Demorou!

Cássio vendo seu Roadie no palco, perguntou:

- Você trouxe meu par de baquetas reserva?

-  Putz, me esqueci!

Um Cássio embrutecido emergiu repentinamente para espanto de todos ali presentes no placo.

- Incompetente miserável, vamos conversar ao final do show.  

Voltou a olhar a figura que tanto lhe perturbava o juízo. Ela o encarava insistentemente.

- Que merda eu fui inventar – Murmurava ele.

- Maldita bebedeira, perdi completamente o bom senso. Me deitar com uma mulher trinta anos mais velha do que eu. Agora me persegue para todo o canto que vou.  Ela ainda vai botar tudo a perder com meu relacionamento.

- Um, dois, testando, som, Esta joia! Todos a postos? – Perguntou o vocalista.

Ao afirmarem que sim, deu início ao show que estaria repleto de clássicos do rock progressivo. Bem, estaria, pois na execução da primeira música uma das baquetas de Cássio escapou de sua mão de forma inexplicável, haja vista que o mesmo não estava tocando uma frase difícil. Transtornado e sem saber como proceder, levantou imediatamente da bateria e com um chute a esparramou a frente do palco. Em seguida, saiu em disparada em direção ao público e agarrado aos cabelos da distinta senhora a colocou para fora da casa aos berros:

- Me deixe em paz velha vadia, aquela foi apenas uma noite, nunca mais ocorrerá de novo! Nunca mais, nunca mais, nunca mais.

Sua voz foi perdendo a força, ele soltou o cabelo da senhora e sentou na calçada com os olhos esbugalhados e a boca semiaberta, perplexo com a cagada que fizera.

 


Addiction