terça-feira, 18 de outubro de 2011

Solidariedade Mórbida

Avistou ao longe uma caçamba em frente a uma construção. Automaticamente, soltou ao chão o fétido saco de lixo que havia revirado atrás de qualquer sobra para matar sua infindável fome. Respirou resignado e foi arrastando seus pés descalços em direção a caçamba que a essa altura já lembrava mais uma miragem, tamanha a fé de encontrar algo de útil para seu lar (se é que se pode chamar embaixo da ponte de lar).
Quando se aproximou, olhou desconfiado à sua volta para ver se alguém lhe chamaria a atenção, fato já corriqueiro em sua vida. Mas a rua estava completamente vazia, sem nenhum carro passando. Começou então a fuçar em todo aquele entulho, como se fosse uma dona de casa em uma barraca escolhendo tomates. Ia jogando de lado o que não interessava, quando de repente, ao levantar uma enorme cúpula de abajur, surpreendeu-se com que viu. Era um lindo bebê, recém nascido que com certeza havia sido jogado por alguém que não o desejava.
Ficou ali a observá-lo por alguns instantes em quanto se surpreendia com sua indulgência perante o autor daquele ato vil. E começo a falar para o bebê que o respondia com um sorriso:
— Vou dar um jeito nisso, não se preocupe. Você não vai sofrer.
E bruscamente, o pegou pelo pescoço e bateu com toda a força em direção a quina da caçamba.Afastou-se suavemente e seguiu para o fim da rua, limpando o sangue de sua mão em sua surrada calça enquanto pensava:
— Coitado, foi melhor assim. Essa vida é cruel demais e ele já a começou com o pé esquerdo.
— Foi bem melhor assim!

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